"Pelo conforto espiritual das Escrituras tenhamos firme esperança" (Rm 15,4)

Lectio Divina: parte V

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1. Lectio: Ler e ouvir a Palavra de Deus
 
O primeiro passo da Lectio Divina é a lectio, ou a leitura. Não é uma leitura comum, nem em matéria nem em maneira. A matéria é a “Palavra de Deus”, ou a Escritura, e a maneira de ler é, mais precisamente, um “escutar” e um “ouvir”, sintonizados com a palavra inspirada e atentos ao Falante.

Portanto, eu me preparo para essa leitura sagrada devotando um tempo a aquietar corpo e mente, para começar a concentrar todo o meu ser num único foco. Nessa disposição, escolho um texto – de preferência curto – leio-o devagar, ouvindo-o interiormente com plena atenção. De maneira geral, minha meta é personalizar as palavras, realizá-las, como Deus falando comigo, agora.

2. Meditatio: Refletir sobre a Palavra

Nesse processo, o papel da Lectio descrito acima é análogo ao ato de ir ao encontro de outra pessoa com a intenção de compartilhar algum tempo juntos e sozinhos.
 
Agora, na Meditatio a que esse desejo me levou, quero conhecer mais sobre ele, em maior confiança e segurança – quero aprender que ele realmente é para mim e o que deseja me revelar.

Deus, em si próprio, é “outra língua” para nós, pois ele é incompreensível, em sua plenitude, para nosso intelecto e compreensão humanos finitos. Porém, ele se traduziu para a nossa humanidade em Jesus. Jesus é a revelação de Deus, numa língua que posso entender e numa pessoa que posso conhecer e amar, não como alguém que viveu e morreu na história, mas como alguém que vive agora, no meu mundo, em meu coração, e para sempre.

3. Oratio: A Palavra toca o coração

A meditação nos faz crescer em nosso conhecimento da constante obra de amor de Deus em toda a criação, e em nossa própria vida individual; aumenta e enriquece nossa familiaridade com a vida e os ensinamentos de Jesus e nosso amor por ele; e leva-nos a refletir sobre como devemos responder a seu chamado em amor e serviço.

Porém, a meditação é, em grande medida, uma atividade de nosso intelecto e imaginação sobre Deus e, se permanecer num nível intelectual, não chegará à oração genuína. Pois a meta da oração é o próprio Deus como ele é, misteriosamente escondido em meu eu verdadeiro mais profundo.

Esse centro mais profundo é o reino da contemplação, e a oratio, ou “oração do coração”, é o início do caminho que leva a ela. Podemos descrevê-la como um movimento espontâneo do coração, quando responsivo à condução do Espírito.

A oratio é o esforço ativo que fazemos para manter nosso coração aberto para Deus e nos colocar à disposição de seu Espírito, preparando o caminho para a ação de Deus sobreponha-se à nossa.

Por um longo período de tempo, podemos ficar nos movendo entre a meditação e essa oração do coração, mas por fim uma simplificação gradual começa a ocorrer. Há cada vez menos raciocínio e especulação com o intelecto, conforme o coração toma as rédeas num simples despejar de amor e desejo, que pode assumir a forma de um diálogo íntimo interior.

A transição para a contemplação

Até aqui, nos três níveis sucessivos da lectio, meditatio e oratio, embora nos movendo no sentido de uma maior profundidade, nossa atividade ainda dominam. A transição para a contemplação final é muito diferente do que talvez se tenha esperado. Pois, embora estejamos nos movendo para Deus, que é Luz, nossa experiência parece contradizer isso quando uma espécie de escuridão ou “noite” desce sobre nós e nosso caminho torna-se obscuro.

O que acontece é que Deus está tomando conta cada vez mais, “fechando” nossas faculdades naturais de raciocínio e imaginação e eliminando os sentimentos afetivos de satisfação e fervor.

O deserto começou e, na sua borda, uma orientação segura é fundamental para que possamos compreender como prosseguir e não ser tentados a abandonar tudo.

Os três sinais

1. Incapacidade de meditar como antes.
2. Falta de interesse em idéias de Deus, geralmente acompanhada do medo de perder o caminho ou de regredir. Aridez dos sentidos.
3. Atração para a oração solitária – atenta, geral e amorosa, porém, obscura; “atenção passiva”.

O que fazer

- Receber e não colocar nenhum obstáculo ao Espírito Santo.
- Seguir a atração para o silêncio interior e permanecer em atenção amorosa.
- Abandonar toda atividade e deixar-se ser atraído para a escuridão do amor de Deus, esquecido do próprio eu.
- Quando se tornar possível meditar outra vez, fazer isso, até que, e a menos que, o silêncio interior se torne habitual.

4. Contemplatio: Entrada no silêncio “profundo demais para palavras”

A contemplação é uma nova terra estranha, onde tudo o que é natural para nós parece estar virado de cabeça para baixo – onde aprendemos uma nova língua (silêncio), uma nova maneira de ser (não de fazer, mas simplesmente de ser), onde nossos pensamentos e conceitos, nossa imaginação, sentidos e sentimentos são abandonados pela fé no que não é visto e não é sentido, onde a aparente ausência de Deus (para nossos sentidos) é sua presença, e seu silêncio (para nossa percepção comum) é sua fala. É entrar no desconhecido, abandonar todas as coisas familiares às quais nos agarraríamos por segurança e descobrir que ser “miserável, digno de lástima, pobre, cego e nu” (Ap 3,17) (que a graça nos revela e que tememos reconhecer – muito menos aceitar – em nós mesmos) se encontra o potencial para toda a nossa esperança e alegria, porque conhecer nosso verdadeiro eu é saber que somos amados por Deus além de toda medida.

A contemplação nos leva à compaixão pelos outros. Essa compaixão deve se estender até mesmo – e especialmente – a nós mesmos quando nossa escuridão nos é revelada, pois negá-la ou irritar-se com ela é, uma vez mais, a reação autoperpetuadora do falso eu.

O estereótipo do contemplativo como uma pessoa passiva, retraída, sonhadora e às vezes reprimida é também uma caricatura, pois a contemplação exige uma capacidade de sentir paixão, além de um amor ardente pela vida.

Ser contemplativo, portanto, não se limita a nenhum estilo de vida específico, como o monástico ou o religioso, mas tem tudo a ver com o escutar o chamado de Deus para se tornar amor, em qualquer estado de vida em que nos encontramos. De qualquer maneira, para crescer nessa oração e para aprofundar nossa relação com Deus, é essencial que encontremos, a cada dia, uma quantidade substancial de tempo para a quietude e silêncio interiores em oração e que permaneçamos fiéis a isso como uma verdadeira prioridade.

*Resumo do livro: Thelma HALL. Lectio Divina: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2001.

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